Dia da Consciência Negra
O mito da democracia racial permeia até os dias atuais os corpos das pessoas negras no Brasil. É através dessa construção social que não só estereotipam o ser negro, como destinam o lugar social, econômico, psicológico, espiritual e geográfico que estes ocupam. Os dados indicam sobre quais territórios a população preta está em maior ocupação: geograficamente alocada nas comunidades, nos bairros às margens. Somos a maior porcentagem dentro dos cárceres (Sistema Prisional), ocupamos os maiores índices de desempregados, de genocídio, de alvos de violências policiais, somos as mulheres que mais morrem diante do parto, e considerando o momento que estamos vivendo, também somos as pessoas que mais morrem de Covid-19, e todas essas questões advém de uma sociedade que vive uma falsa democracia racial.
Tudo isso gera enorme sofrimento físico e psíquico, deixa marcas, e a Psicologia, como Ciência e Profissão, pode e deve contribuir na redução desses danos, sempre que possível, através do acolhimento e escuta dessa população que vem sendo tão negligenciada e carente de políticas públicas efetivas. Enquanto profissão temos galgado uma trajetória de fortalecimento e defesa das questões raciais, principalmente através da Resolução CFP N°018/2002, que estabelece normas de atuação para as/os Psicólogas/Psicólogos em relação ao preconceito e à discriminação racial; apoiando a Formação da Articulação de Psicólogas/Psicólogos Pretas/Pretos e Pesquisadoras/Pesquisadores (ANPSINEP) e a própria Referência Técnica para a atuação de Psicólogas/Psicólogos sobre Relações Raciais (2017), além dos Grupos de Trabalho e Comissões de Relações Raciais/Raça e Etnia/Enfrentamento ao Racismo dentro dos Conselhos Regionais e do Conselho Federal de Psicologia, entre tantas outras ações, campanhas e parcerias com Movimentos Sociais, fortalecendo a luta e o compromisso ético e social que a Psicologia se propõe em sua essência. Entretanto, ainda há um longo caminho a ser percorrido, conscientes que é nosso dever construir espaços cada vez mais democráticos, diversos e plurais.
Considerando isto, a quem ouvimos, com quem falamos, e para quem somos luta, resistência e apoio? Quais os autores pretos e autoras pretas que temos estudado? Quantas professoras negras, quanto professores negros temos dentro das Academias? Será que mais de 300 anos de escravização de pessoas negras no Brasil não deixaram marcas nessa população? Marcas na sua saúde mental? Qual o papel da Psicologia nesse âmbito e quais as reais contribuições podemos e devemos implementar para que possamos quebrar o mito de uma democracia racial e construirmos uma sociedade e consequentemente uma profissão mais justa e igualitária? Quando as demandas de racismo chegam aos nossos consultórios, serviços públicos, escolas, e até mesmo na Universidade, o que fazemos? O que podemos fazer? Nós estamos escutando? E como estamos fazendo essa escuta?
A Consciência Negra dialoga com o ouvir e estar com o outro em seu território e com seus atravessamentos, esse é um dos trajetos para reconstruir o lugar das pessoas pretas e da sua psique, e a Psicologia tem papel fundamental na reconstrução e no ressignificar da existência preta, afinal, como bem pontua o Wade Nobles, é necessário que a população preta volte ao passado, às suas origens, suas histórias, sua ancestralidade, para reconstruir o que foi “esquecido”. E será nessa viagem, nesse contato com as suas verdadeiras raízes que passaremos a sermos sujeitos da nossa própria história, e nós, Psicólogas e Psicólogos, podemos e devemos ser as mediadoras(es) desse processo.